Deputado Goulart conta sobre a lei dos uniformes gratuitos
Conheça toda a história que antecedeu a aprovação de uma das leis fundamentais na área da educação em São Paulo: a lei de fornecimento gratuito dos uniformes escolares.
O café da manhã mais importante da minha vida
Ainda nos tempos de vereador, tinha o costume de tomar café na padaria de um antigo amigo, na região Sul de São Paulo. Era como um ritual matinal: pegava uma mesinha do lado de fora com meu pingado e meu pão na chapa e apreciava a vida alheia por alguns minutos. É curioso imaginar que cada indivíduo que cruza seu caminho tem tantas histórias escondidas, aventuras de criança, traumas, segredos, sonhos, realizações… Eu sempre me via preso fantasiando essas narrativas.
Certo dia, me distraí com alguns adolescentes que passavam em frente à padaria. Tinha uma escola a dois quarteirões, devia ser o horário da entrada. Parecia um desfile de moda, as meninas vinham com calças collant e blusinhas cobertas de brilho, os meninos com calças jeans e agasalhos robustos. Todos falavam alto e gargalhavam como se quisessem expor uma felicidade inexistente. No grupo de trás pairava uma energia menos chamativa. As roupas eram mais simples. Dois meninos vinham com calças de moletom reforçadas, provavelmente pelas mães, e camisetas já desgastadas pelo tempo. O que mais me chamou a atenção foi que um dos meninos estava de chinelo. Eles pareciam ter algum receio em se expressar, falavam baixo e raramente escapavam alguns sorrisos tímidos. A única coisa que interligava todos os adolescentes era a mochila nas costas. Mas por que tanta diferença?
Como de costume, comecei a exercitar minha imaginação. Pensei que o chinelo poderia ser por algum machucado no pé ou alguma aposta dos meninos. Mas não consegui me convencer, decidi ir até a escola e matar minha curiosidade.
A diretora me atendeu de prontidão, oferecendo um café meio suspeito:
“Na verdade vendemos os uniformes na escola, mas a maioria não usa. Tem gente que prefere usar roupas comuns, outros não podem pagar. Aí fica essa mistureba mesmo. Mas no caso do calçado, fica a critério do aluno. A escola não pode arcar com esse tipo de custo”.
Finalmente entendi a situação.
A questão dos uniformes acarretava uma série de problemas indiretos aos alunos e seus pais. A diferença social era evidenciada, já que os estudantes usavam suas próprias roupas e, aqueles que não tinham tantos recursos, ficavam excluídos. Além disso, o desgaste constante das roupas ocasionava maiores gastos às famílias.
Fui pra câmara com esse pensamento martelando a cabeça…
De “Ideia Inocente” à “Possível Solução” para a educação
Já era noite quando cheguei em casa. Tomei um banho rápido, jantei e fui me preparando para assistir mais um jogo do Timão. Momento mais que sagrado na minha casa. A família toda se reúne em frente à TV, quando não estamos no estádio, é claro.
Iniciam-se os rituais, jogadores enfileirados de pé, execução do hino nacional. Peguei-me novamente pensando nos meninos da escola. Já pensou se cada jogador entrasse com a roupa que quisesse? Ou sem chuteiras? Pode parecer uma comparação pueril, mas faz todo sentido. Os uniformes são importantes para diferenciar as funções de cada um, pra estabelecer um padrão e ressaltar a importância da instituição representada, igual na escola. A diferença é que os jogadores ganham os uniformes… Mas pera aí! Por que os alunos não ganham também? Seria essa a solução? Terminamos de ver o jogo e a ideia foi tomando forma na minha cabeça.
A Grande Decisão
No outro dia de manhã, comentei sobre a ideia com membros da minha equipe. Alguns me aconselharam a desistir. Pra eles, seria loucura fazer o município custear tantos uniformes, disseram que o projeto nunca seria aprovado e que as despesas seriam altas e não trariam retorno algum. Mesmo discordando dessa opinião, fiquei um pouco desmotivado.
Os dias foram passando e, com tantos compromissos oficiais, acabei deixando a ideia de lado.
Algumas semanas depois, voltei à padaria e segui meu roteiro padrão, com o pingado e o pão na chapa, me sentei numa mesinha do lado de fora. Foi então que percebi que as coisas tinham mudado. Não sentia mais o antigo prazer de ficar ali. O pensamento sobre o uniforme invadia a cabeça.
Veio o dilema:
Ou eu nunca mais iria lá e ficaria com o peso na consciência para sempre ou independente dos termos, tentaria achar uma solução para àquela demanda. Decidi de prontidão. Em toda minha vida procurei dar o meu melhor, fazer o bem e ajudar o maior número de pessoas, não dava para ser diferente dessa vez.
É fato que os gastos seriam grandes ao município, mas o retorno seria evidente. O retorno seria da forma mais gratificante possível. Na educação, a base da nossa sociedade.
O uniforme tem, historicamente, uma função importantíssima. Além de representar as instituições, e garantir a segurança do aluno, ele age como um elemento de integração. Independente da classe social, os estudantes precisam estar no mesmo patamar. Ninguém é melhor que ninguém dentro de uma sala de aula, todos merecem um ensino de qualidade e a oportunidade de se dedicarem sem outras preocupações, como que roupa vestir ou deixar de vestir.
Saí da padaria apressado, fui correndo reunir os aliados. Consegui convencer a equipe depois de duas horas de discussão. Foi então que começamos a elaborar o projeto de lei que garantiria a gratuidade e o recebimento dos uniformes nas escolas públicas.
Aproveitando a deixa, elaboramos outro projeto que dispusesse do fornecimento de material escolar, e é claro, o fornecimento de um calçado adequado.
“Para fazer cumprir os objetivos do Estado brasileiro de reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação, os administradores públicos devem proporcionar acesso o mais igual possível a todos, evitando práticas que reforcem ou instaurem desigualdades em suas esferas de atuação”.
Uma vez definidos os termos, partimos para a luta das aprovações.
A luta pela aprovação dos uniformes e materiais gratuitos
O comum é achar que uma iniciativa tão benéfica quanto essa, tenha uma rápida aprovação na câmara, mas as coisas nem sempre funcionam como se espera. Na política, existe uma grande disputa de interesses. Muitos quiseram boicotar nossas propostas. Com essas investidas contrárias, infelizmente a oposição conseguiu modificar o projeto de lei dos uniformes, retirando o fornecimento dos calçados. (Precisei elaborar outro projeto específico para o fornecimento dos tênis que só foi aprovado três anos depois).
Conseguimos junto à prefeitura, a aprovação dos dois projetos, garantindo o fornecimento dos uniformes e dos kits escolares. As escolas do município começaram a seguir as novas normas a partir de agosto de 2002. Os ganhos foram notáveis:
Hoje, mais de três milhões de estudantes são beneficiados em São Paulo.
Do triunfo à continuidade na educação
Com o fim da batalha, pude voltar à querida padaria e reencontrar a sensação de tranquilidade.
Depois de um tempo, vi novamente os jovens a caminho da escola, só que dessa vez, devidamente vestidos e bem mais envolvidos. Pode ser que a amizade tenha florescido ao decorrer do ano, ou talvez o uniforme tenha mesmo influenciado. Quem sabe?
Desde então, peguei gosto pela área. Dediquei diversos projetos de lei que beneficiam a educação, mas deixa pras próximas histórias…
Com o cargo de Vereador, meus projetos eram de nível municipal e supriam as demandas da cidade de São Paulo. Agora como Deputado Federal, trago minhas iniciativas de sucesso a nível nacional.
Criei um projeto de lei em 2015 visando ampliar o fornecimento gratuito de uniformes e kits escolares para todo o Brasil. Atualmente ele está em tramitação na Câmara.
O Trabalho Continua!